As lutas políticas em Apodi, desde a formação das primeiras correntes partidárias, têm-se caracterizado pela discórdia entre as famílias da terra. As divergências de ordem política, originando dissenções de certa gravidade, no seio da população, deixaram para a história do Apodi, uma página de lamentáveis acontecimentos, ainda hoje bem vivo no espírito de nossa gente.
Elementos vindo de fora, que aqui se fixaram em épocas passadas, atuando na política local, foram responsáveis por climas de agitação e insegurança porque passou o nosso povo, principalmente nas décadas de 20 e 30, quando a paz foi conturbada por movimentos de opressão e violências de ordem político-partidária. Os anos de 1924 a 1935 tiveram lutas políticas bastante agitadas. Sérios e graves acontecimentos ocorreram naquele período, entre as facções eleitorais da terra, empenhadas em renhidas lutas, pelo mando administrativo da comunidade apodiense. Certa vez, em 1925, a violência policial, a serviço de facção política, foi utilizada para que se efetuasse a prisão do Presidente da Intendência Municipal.
Este e outros fatos sucederam-se na mesma época, acirrando cada vez mais, os ânimos entre adversários. O ataque a Apodi, no dia 10 de maio de 1927, por um grupo de bandidos, organizados no Estado do Ceará, município de Pereiro, foi resultado de uma vingança política, insuflada por elementos de fora, inimigos de Apodi. Na madrugada daquele dia, penetraram nesta cidade, causando pânico e terror à nossa população, nada menos de 18 bandidos, fortemente armados, comandados por Massilon Leite. A empreitada, organizada e dirigida de longe, por pessoa ligada a importante família do Apodi, tinha a terrível missão a cumprir nesta cidade.
Em primeiro lugar, figurava no plano sinistro, o assassinato do então chefe político Francisco Ferreira Pinto, para cuja residência se dirigiram os bandidos, prendendo-o imediatamente. O vigário da paróquia, que naquele instante acabara de celebrar a santa missa, foi chamado às pressas para salvar o chefe político, em poder dos cangaceiros, que já se preparavam para eliminá-lo. Transcrevemos a seguir, o depoimento do Padre Benedito Basílio Alves, no qual ele narra como conseguiu libertar Francisco Ferreira Pinto das mãos dos bandoleiros criminosos:
“Na madrugada de 10 de maio de 1927, foi esta cidade invadida por um número crescido de cangacei-ros. Fácil de imaginar-s o pânico produzido em toda população na incerteza das consequências do fato anormal. A imprensa traçou em rápidas comentários o que então se deu e só a ação da Providência nos preveniu de maiores males. Celebrado o Santo Sacrifício da Santa Missa e exposto o SS. Sacramento, com a Igreja repleta de fiéis, procurei serenar os ânimos garantindo a todos que seriamos poupados com a graça de Deus e intercessão dos nossos Padroeiros. Chamado para livrar o chefe local, já ameaçado de morte, dirigi-me ao local sinistro e, depois de parlamentar com o até o pátio da Matriz, mostrando-lhe o horror que tudo aquilo despertava no meio do povo. Por três vezes ainda ameaçava incendiar a cidade dos cangaceiros que então conferência que se retirasse do lugar, o que imediatamente, atendeu, Altos Designos de Deus, Vigário – Pe. Benedito Basílio Alves’’.
Enquanto permanecia preso o chefe local Francisco Pinto, por cuja liberdade o bandoleiro Massilon exigia vultosa quantia em dinheiro, elementos do grupo terrorista praticavam na cidade, atos de violência, assassinato. Tomada de terror, ante a ação dos cangaceiros, quase toda a população abandonou a cidade, buscando refúgio na zona rural, nos sítios e fazendas. De acordo com os registro do volumoso (900 páginas) inquérito policial, sobre os trágicos acontecimentos de 10 de maio, vejamos o saldo de crimes deixados neste município, pela horda sinistra do perigoso Massilon Leite, conforme depoimento das testemunhas arroladas:
1 Assalto às Fazendas Passagem Limpa e Pau de Leite, respectivamente, dos Senhores Benevulto Holanda Cavalcante e Luís Sulpino da Silveira, ambos correligionários de Francisco Pinto; com relação aos dois fazendeiros, trazia o comandante do bando, ordem expressa para surrá-los, o que felizmente não aconteceu. Nas duas fazendas roubaram dinheiro, objetos e animais para montaria;
2 Assassinato do comerciante Manoel Rodrigues de França, nesta cidade, por recursar-se a entregar dinheiro aos cangaceiros;
3 Incêndio das casas comerciais JÀZIMO & PINTO e JÀZIMO e CIA, ocasionando prejuízos materiais de grande monta;
4 Assalto aos estabelecimentos dos Senhores Elpídio Câmara e João de Deus Ferreira Pinto, de onde extoquiram dinheiro e mercadorias;
5 Na zona rural, invadiram as residências de Antonio Manoel de Sousa, Joaquim Pereira e João Fran-cisco de Oliveira dos quais exigiram dinheiro, sob a mira de armas de fogo;
6 Arrombamento da Agência de Rendas Estaduais, cujos documentos e livros foram queimados;
7 Arrombamento, à bala, da residência de Luis Ferreira Leite, nesta cidade, sócio e correligionário de Francisco Pinto, no qual deveria ser aplicada uma surra e cortada uma orelham ordem recebida do Agente da empreitada, Décio Albuquerque, pelo executor do abominável plano, Massilon Leite. Foi poupado desse rigoroso castigo, segundo dizem por ter dado a Massilon, boa quantia em dinheiro e joias.
8 Destruição das instalações da Agência dos Correios e Telégrafos, com ameaças ao funcionário en-carregado da mesma, em cujo recinto foram disparadas armas de fogo;
9 Arrombamento do Quartel da Polícia e Cadeia Pública tendo os cangaceiros se apoderado de armas e munições ali existentes, e libertado todos os presos.
Desta cidade os cangaceiros se retiraram pela manhã do mesmo dia 10, entre as nove e dez horas, rumo ao distrito de Itaú, neste município. Ali saquearam os estabelecimentos comerciais dos cidadãos Manoel Moreira Maia, Pedro Maia Pinheiro, João Alves Maia e as residências dos Senhores João Batista Maia e Paulino Pereira do Carmo.
Eis aí, em resumo, o que foi a sanguinária pilhagem do Apodi, no dia 10 de maio de 1927, arquitetada por elementos sedentos de vingança de crimes. Este foi um capítulo de nossa história política, que ficará na memória de nossa gente, como o mais ignominioso atentado aos nosso costumes e às nossas tradições de povo ordeiro e cristão. Assaltada de surpresa, a cidade não teve condições de reagir ao premeditado ataque, sob o comando do temível Massilon, famoso pelas suas façanhas na história do crime e banditismo no Nordeste, onde se criou na época, um ambiente propício ao cangaceirismo.
Os ânimos serenaram e houve um período de relativa calma. Porém as marcas e os resquícios daqueles dramáticos acontecimentos, permaneceram vivos nos espíritos de muitos, sempre sequiosos de represálias. O movimento revolucionário de 1930 veio reavivar os graves acontecimentos do passado. Não só em Apodi, mas em todo o Rio Grande do Norte, o panorama sofreu radical transformação, com o advento da revolução vitoriosa de 1930. Iniciou-se então, neste Estado, o mais revoltante período de hostilidade e humilhações contra adversários políticos decaídos. Com a vitória da revolução, a família Pinto em Apodi perdeu o mando político e administrativo, conquistando o poder em 1935 com a vitória do Partido Popular.
Realmente, a revolução de 1930 não cumpriu a missão a que se propuser. Os seus princípios, seus postulados e ideais, que serviram de alento àquela arrancada cívica, caíram por terra ou foram esquecidos. Prevaleceu, acima de tudo, a vontade dos oportunistas, que a todo custo, queriam escastelar-se no poder, à sombra do governo revolucionário.
Instalou-se então no estado, o terrorismo político que tomou vulto a partir de 1933, com a designação do quinto Interventor Federal, filho da terra, nomeado presidente revolucionário, Getúlio Vargas.
“Incutira o novo governante em sua cabeça, a ideia de candidata-se à sua própria sucessão’’, na elei-ção que se aproximava para governador do Estado. A partir desse momento, e com o objetivo de ga-nhar eleitores e conquistar chefes políticos, o interventor pôs em jogo a máquina administrativa do Estado, desencadeando-se, então, a mais violenta e desastrosa campanha política de que se tem notícia no Rio Grande do Norte.
A série de atos de suborno, coação e violência, segundo os depoimentos da história, preparada pelo partido do governo, espalhou-se por todos os recantos do Estado. Nenhum município ficou livre das arbitrariedades que atingiram o Rio Grande do Norte em todas as direções, sob a conivência das autoridades governamentais.
Ao aproximarem-se as eleições de 14 de outubro de 1934, em plena campanha política, contingentes policiais, foram deslocados para cidades, vilas e povoados, com a finalidade de coagir os adversários do governo, generalizando-se o pânico e o medo entre as populações. Populações que se dividiam em duas facções partidárias: o Partido Popular, de oposição ao governo, e Aliança Social ou Liberal, partido governista. Perrespista ou perré, era a denominação dada ao partidário da oposição, liberal ou Pela-Bucho, era o correligionário do governo ou a pessoa filiada à Aliança Social.
À proporção que se aproximava o dia das eleições, a onde de crimes aumentava assustadoramente, sob as mais diversas formas. Prisões ilegais, espancamentos de adversários do governo. Assassinatos eram presenciados a todo instante, ficando os criminosos livres de qualquer punição.
Em Apodi, onde o chefe político Francisco Ferreira Pinto, liderava a corrente de oposição ao governo, as perseguições políticas alcançaram o seu ponto culminante. Sucediam-se as prisões, intimidações a adversários do partido governista, surras e ameaças de toda ordem. O esquema de opressão posto em prática, estarrecendo a opinião pública, não se limitou apenas às agressões físicas e desmoralizadoras, pelos agentes do partido revolucionário, de que foram vítimas chefes políticos de prestígio e respeito.
O processo de violências a todo momento, amedrontando as famílias e eleitores oposicionistas. Acontecimentos de maior gravidade começaram a surgir em diversos municípios do Estado, o assassi-nato de chefes políticos do Partido Popular. Isto devia fazer parte do plano preestabelecido, com o objetivo de aterrorizar o eleitorado e afastá-lo do pleito que se aproximava.
Incluído na lista negra da Aliança Social, comandada neste município pelos senhores Luis Ferreira Leite e Benedito Dantas Saldanha, estaria o líder Francisco Ferreira Pinto, ou Chico Pinto, como era chamado, praticado às caladas da noite, teve grande repercussão em todo o Estado, principalmente no sei do Partido Popular, onde o falecido gozava de elevado conceito. Era um dos chefes políticos de maior prestígio desta região. Não só pela expressão do colégio eleitoral que comandava, mas também pela sua personalidade. Desenvolveu no município intensa atividade político-partidária, ao lado de João Jázimo de Oliveira Pinto e João de Brito Ferreira Pinto, tendo sido eleito Prefeito Municipal e Deputado à Assembleia Legislativa Estadual.
Os métodos postos em prática pelo Governo e seus partidários, com a finalidade de ganhar a eleição, não arrefeceram o ânimo dos eleitores populistas, que se mantiveram firmes nos momentos mais difí-ceis, quando sofriam as mais absurdas perseguições. A eleição de 14 de outubro de 1934, deu ao Partido Popular a mais consagradora vitória. Com a eleição Dr. Rafael Fernandes ao Governo do Rio Grande do Norte, pela Assembleia Constituinte, o Estado voltou à sua normalidade. A paz voltou a reinar entre as famílias potiguares.
Fonte: Apodi, Sua História - Válter de Brito Guerra (2000)