segunda-feira, 15 de abril de 2013

Becos da Vida - Mônica Freitas

Andando por um caminho,
desses que o povo cria,
encontrei dois jovens tristes
com rostos em desalinho,
num beco estreito e sujo,
ao qual, chamamos de via.

Dei um bom dia sorrindo,
mas a resposta foi muda.
A jovem ainda olhou
como flor que vai se abrindo.
Mas o aspecto do olhar, 
mendigava uma ajuda

O jovem, seu companheiro,
tinha o olhar de cão
desses que guardam as casas
daqueles que têm dinheiro.
Casa bonita e segura, 
mas nada no coração

Eles passaram por mim
sem nem me dá atenção.
Continuaram o caminho
que parecia sem fim.
Fiquei olhando de longe
até faltar a visão

Alguém passou e me viu, 
naquela admiração.
Parou e me perguntou:
-Você tombou ou caiu?
Alguém lhe fez algum mal?
Ou perdeu algo no chão?

Respondi: Estou olhando
dois jovens que aqui passaram;
pareciam tão estranhos 
 e eu fiquei admirando.
Acho que nem perceberam
que algo em mim despertaram

O homem me olhou sorrindo
e disse sem timidez:
você parece que bebe,
e não vê o sol se abrindo?
Aqueles dois delinqüentes
Ninguém sabe de onde “vei”

Moram lá no fim da via;
num barraco de madeira;
abandonaram as famílias
pra viver na bebedeira;
o nome dela é Maria;
a mulher de fim de feira

Ele se chama José;
moleque algoz e safado.
Vive de beber cachaça
e fazer o que é errado;
apareceram aqui 
sem se saber o passado

Aquelas palavras soltas
só me fizeram pensar
no que havia causado
a amargura do olhar, 
da jovem quando passou 
que a mim não quis falar

Daquele dia em diante 
pus-me a raciocinar...
Como chegar aos dois jovens
sem que eles percebessem 
que o meu objetivo
era lhes investigar.

Fiquei muito tempo ainda
sentado em uma calçada;
depois resolvi andar 
como não quisesse nada;
fui andando pelo beco
que da vida é uma estrada

Chegando ao fim do beco
procurei com o olhar
para encontrar o barraco
que havia ouvido falar.
Quando achei, fiquei olhando
pensando em como chamar.

Bati palmas: -ô de casa!
E ninguém me respondeu.
Novamente falei alto
e o jovem apareceu,
disse:  que quer aqui?
Eu não peguei nada seu.

Eu olhei no rosto dele
e disse com paciência:
-Eu procuro um abrigo;
estou sem rumo e clemência,
fui acusado de roubo,
mas declaro inocência.

O jovem olhou para mim
com ar de desconfiado;
mas mesmo assim me falou:
- eu também sofro esse mal
nojento e desgraçado
sou vítima do meu passado.

Enquanto ele falava 
fui entrando devagar;
vi que dentro do barraco
nada havia pra sentar
apresentando a pobreza 
existente no lugar

Olhando aquela imagem
e escutando as palavras 
que o jovem me falava;
fui comparando a paisagem
à forma como olhou
a jovem quando passava.

O cômodo era um só 
com duas redes armadas;
não existiam os móveis,
as roupas amontoadas,
lá no fundo uma trempe
com carvão esfumaçava.

A jovem com um papelão
ao fogo, abanava,
um pote lá no cantinho
cheio de água estava;
no outro canto do cômodo
um enferrujado latão.

Sentei-me, mesmo no chão
e comecei a chorar;
a jovem se levantou
e veio a me observar;
os dois me olhavam tristes
querendo compreensão.

Me aproveitei da tristeza 
que neles a fiz brotar;
falei da angústia minha
em ter que me esconder;
eles logo se sentaram
e começaram a dizer:

A jovem falou do sonho
de casar e ser feliz;
com um jovem que amava.
O jovem falou da escola
que estudou no passado
pensando em ir a Paris.

Quando ouvi aqueles sonhos
também falei da minha vida
e dos sonhos que eu tinha 
de mudar a direção
da vida da juventude
de esperança perdida.

Maria não se conteve
e começou a chorar.
Lembrou da sua família 
do seu pai e do irmão,
disse com voz trêmula e falha
- Meu pai não tem coração

Hoje estamos nessa vida
por falta de amor de pai;
meu irmão é o único homem
que me faz sentir a paz.
Meu pai foi o causador
da minha vida perdida

Com doze anos de idade
ele me violentou.
Meu irmão por piedade
com coragem me adotou.
Fugimos da nossa casa
pra viver nessa cidade.

Hoje vivemos assim
Sem esperança de nada.
Largamos nossos estudos
e nos pusemos na estrada.
Lá em casa eu não podia
dormir sem ser acordada

Minha mãe morreu bem cedo
de ataque no coração.
Daí em diante o medo
passou a ser maldição.
Meu pai foi o homem mal
que me feriu sem perdão

Além de me deflorar,
batia-me com chicote,
me jurava todo dia, 
me ameaçava de morte,
ao meu irmão já dizia
que podia esfaquear.

Ao ouvir aquela história
comecei a refletir;
que a violência existe
sem termos pra se medir,
que o instinto animal
ainda se faz fluir

mesmo o homem tendo a história
da ciência em sua mão;
e ainda alcançando a glória
da tal globalização;
ainda vive em seu peito
as trevas da servidão.

Ele serve ao seu ego
como cão sem direção,
o pensamento é insano,
o corpo é matéria bruta,
a mão fere sem pensar,
amargo é seu coração

Quantas “Marias” não vivem
na nossa sociedade?
Quantos meninos são postos
A mercê da crueldade
dos homens, que só são homens,
pela lei da humanidade?

Para pensar no futuro
de uma nova pessoa;
temos que não escutar
a voz que forte ecoa,
o nosso coração duro
nós temos que controlar

Somos homens, ou mulheres,
com instinto animal,
mas também somos os seres
com ciência universal,
que nos permite o controle
de um pensamento mal

Uma criança estuprada, 
violentada e sofrida;
pode não ter no final
a esperança perdida,
mas pode sofrer o trauma
que dura o resto da vida.


Para Juan e Maria
a esperança morreu,
a história de suas vidas
é exemplo todo dia.
Precisamos combatê-las
evoluir nosso “eu”

A Biologia explica
o instinto animal,
Mas a Psicologia
veio para dar sinal
de que as nossas ações 
podem fazer muito mal.

A conscientização, 
é uma necessidade, 
assim como, a ação,
é a mão da liberdade
para denunciar falhas
que causam a violência
na nossa sociedade.

Andando em becos da vida
encontrei uma história.
Sei que também tem a sua,
guardada lá na memória.
Não se cale, traga à tona.
Faça jus à sua glória.

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