domingo, 5 de maio de 2013

Famílias apodienses afrodescendentes (I) - Por Marcos Pinto


O roteiro bibliográfico potiguar atinente ao capítulo da HISTÓRIA DA ESCRAVIDÃO NEGRA, e em especial em terras apodienses, revela uma realidade lacunosa, com veementes indícios de desdém emoldurado em laivos de arraigado e insano racismo. Todavia, há um manancial em documentos oficiais existentes nos arquivos cartoriais e livros de Assentos de Batizados da Igreja-Matriz, que subsidiarão os poucos e abnegados pesquisadores que venham a enveredar por esse dolente e merencórico capítulo da história do sofrido escravo africano em nosso estado.

Não podemos deixar entregue ao esquecimento a história desta gente sofrida que veio habitar entre nós, mesmo que de forma coercitiva, forçosa, mas que com o passar do tempo adaptaram-se e fincaram suas raízes neste chão, caldeando o indômito e vigoroso sangue africano com o de índios e do elemento branco colonizador. Urge o tempo, e os documentos oficiais que retratam de forma fidedigna a história desta brava gente está se deteriorando dia-á-dia, dominados pelas intempéries e pelo assédio de cupins, insetos e ratos. O processo do tempo é uma trama de efeitos e causas, de sorte que ainda restam uns poucos abnegados na seara deste incompreendido trabalho empreendido para rasgar a cortina da indiferença dos que deveriam lutar pela preservação da história.

No que diz respeito aos estudiosos da escravidão negra na região Oeste potiguar, merece relevo as celebradas publicações intituladas "OS ESCRAVOS NA HISTÓRIA DE MOSSORÓ", de autoria de Nancy Neyza Wanderley de Oliveira e Sebastião Vasconcelos dos Santos, editada pela Coleção Mossoroense - Volume CLXXI - ano 1981, e a não menos renomada obra "ESCRAVOS DA RIBEIRA DO APODI SOB A ÓTICA DOS INVENTÁRIOS", de autoria da Professora Dra. Maria Goretti Medeiros, editada pela Coleção Mossoroense - Vol. 844 - 1995. Nestas publicações, encontramos fartas referências aos escravos de Apodi, desde a parte de inventários, até o contexto da venda destes para a praça de Mossoró, durante o famigerado período do TRÁFICO NEGREIRO INTERPROVINCIAL. 

Quando o Prof. JOAQUIM MANOEL CARNEIRO DA CUNHA BELTRÃO aportou em Apodi no ano de 1843,oriundo de Tracunhaém-PE, para lecionar na escola de primeiras letras na então Vila, já trazia consigo escravos para fazer-lhes companhia e prestarem seus serviços. Ao casar em Apodi com a Srita. MARIA ANGÉLICA BEZERRA CAVALCANTI ,no ano de 1845, a mesma trouxe consigo a escrava Inocência Constância, nascida em 1828, e que pertencera ao seu genitor Domingos Alves Ferreira Cavalcanti. De Inocência nasceu a escravinha SABINA no ano de 1852. 

Como era costumeiro a adoção do sobrenome familiar dos seus senhores, a escravinha passou a ser conhecida como SABINA CONSTÂNCIA BELTRÃO. Desta magnânima SABINA nasceu LÚCIO, patriarca da laboriosa e honrada família apodiense conhecida como "FAMÍLIA DOS LÚCIO". Vejamos a íntegra do assento do registro de batizado de Lúcio, cujo nome civil em adulto passou a ser LÚCIO AGOSTINHO DA SILVA: Batizado nº 1.349, fls. 102: - LÚCIO, filho natural de Sabina, escrava de Joaquim Manoel Carneiro da Cunha Beltrão, nasceu aos quinze de Abril de mil oitocentos e setenta e hum, foi batizado por mim solenemente na dita Matriz aos vinte e três do dito mês e ano, foram padrinhos Pedro Alexandrino Gomes Tavares e Cândida Generosa de Góis Nogueira, solteiros; do que para constar fiz este termo que assino, O Vigário Antonio Dias da Cunha. (FONTE: Livro de Registro de Batizados da Igreja-Matriz da Paróquia de Apodi,fls. 102 - 1868-1875). 


casarão senhorial  pertencente a
JOAQUIM MANOEL CARNEIRO DA CUNHA BELTRÃO

Pela sua desenvoltura, sêo Lúcio chegou a exercer a função de Oficial de Justiça, tendo casado com Petronila Gomes da Silva (Pichau) e deram origem a numerosa prole, composta por laboriosos homens e mulheres que enriquecem a geografia humana de Apodi: FRANCISCA PETRONILA DA SILVA; MARIA NAZARÉ DA SILVA (Nem); RAIMUNDA PETRONILA DA SILVA (Neguinha) casada com Manoel Alves de Lima (Manoel Gogó); MARIA JOSÉ DA SILVA; JOANA PETRONILA DA SILVA; ANTONIA PETRONILA DA SILVA (Antonia Lúcio); PEDRO LÚCIO DA SILVA, casado com Joana,irmã de Birim de Jacó, e que são os pais do saudoso FUXICO; RAIMUNDO LÚCIO DA SILVA, conhecido popularmente como "Doutor Nêgo", casado com Ana de Góis; SEBASTIÃO LÚCIO DA SILVA (Tião Lúcio dos Correios e Telégrafos) casado com Eugênia Pereira, filha de Anastácio Pereira; FRANCISCO LÚCIO DA SILVA, casado com Raimunda, da cidade de Martins-RN; ANTONIO LÚCIO DA SILVA,(Toinho) casado com Martinha, filha de José Lopes, do sítio Trapiá, sendo certo que Toinho Lúcio/Martinha são os pais de João de Toinha, casado com Sebastiana e que são pais de Chico Cabeção e Batista e Socorrinha; JOSÉ LÚCIO DA SILVA (Dedé) que casou com Maria Tenório, filha de Domingos Tenório; JOÃO LÚCIO DA SILVA, que casou com Liduína, natural da Bolívia, sendo certo que João foi embora para a Bolívia e nunca mais deu notícias; JOÃO AGOSTINHO DA SILVA (Solteiro).


COM O LENÇO SOBRE A CABEÇA: A COZINHEIRA OFICIAL DA PARÓQUIA DO APODI DURANTE MAIS DE 30 ANOS - A SOLTEIRONA "NEM DE LÚCIO FOGUETEIRO",CUJO NOME CIVIL ERA MARIA NAZARÉ DA SILVA,NASCIDA A (21.12.1918) E FALECIDA NO ANO DE (2007). 
"NEM" ERA FILHA LEGITIMA DE LÚCIO AGOSTINHO DA SILVA E DE PICHAU (CASAL TRONCO DA FAMÍLIA DOS "LÚCIOS"). 

Há uma curiosidade de identidade de cunho afrodescendente pelos casamentos de dois de seus filhos com descendentes de escravos: RAIMUNDA LÚCIO casou com Manoel Gogó, que era filho de Raimunda Maria da Conceição (Casada com Jovino Gogó -Jovino Braz de Lima), que por sua vez era filha do ex-escravo Belarmino Gomes da Costa, tronco dos "Belarmino". PEDRO LÚCIO casou com JOANA FELÍCIO, filha do ex-escravo JACÓ FELÍCIO DE OLIVEIRA, escravo que foi de Francisco da Costa Morais. No próximo artigo faremos abordagens históricas sobre as famílias afrodescendentes VALENTIM, BASÍLIO,BELARMINO,GAVIÃO,CEARÁ,AVELINO e SIMÃO.

Por Marcos Pinto - Historiador apodiense
Copiado do: Potyline

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